segunda-feira, 14 de junho de 2010

Rifa-se um coração

"Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos e cultivar ilusões.
Um pouco inconsequente que nunca desiste de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração.
Rifa-se um coração que nunca aprende. Que não endurece, e mantém sempre viva e esperança de ser feliz, sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiete para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmo erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, ás vezes revê suas posições arrependidos de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional que abre sorrisos tão largos , mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.
Um orgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente, contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo e defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente que mostra sem armadura e deixa louco seu usuário.
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais juízo.
Um orgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconsequente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda não foi adotado , provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulancia de se aventurar como poeta."

Clarice Lispector


E precisa dizer mais? Alguem quer comprar uma rifa?

Um comentário:

  1. olha, nem sabia que tu tinhas blog.
    vou começar a te seguir. hehe
    gostei dos textos e a Clarice Lispector é TU-DO.
    bjo
    até mais

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